Indivíduos com Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) estão em sua maioria em terapia por quase uma década antes de serem diagnosticados e passaram uma década a mais por seu TDI. Apesar disso, o tratamento apropriado para TDI é conhecido por ser efetivo. Terapia global para TDI está associada à uma redução de automutilação, menos hospitalizações, menos medicações sendo necessárias, sintomas dissociativos reduzidos e maior funcionalidade, sendo menos afetado pelo TEPT, usualmente presente; segundo estudos, foram observados também o aumento no engajamento em atividades produtivas e sociais, menor estresse geral, e maior senso de bem-estar.
Fases do Tratamento
A ISST-D (Sociedade Internacional para o Estudo do Trauma e Dissociação) recomenda uma abordagem de tratamento orientada por fases, com a abordagem mais comum tendo três estágios:
A primeira fase nessa abordagem envolve focar em segurança, estabilização, e redução de sintomas. A segunda é processamento de trauma. O estágio final ajuda o indivíduo a ajustar-se para lidar com o mundo como um indivíduo mais integrado. Esses estágios alternam conforme o necessário; por exemplo, um indivíduo que chegou na segunda fase do tratamento pode ainda precisar revisitar habilidades de enfrentamento da primeira fase e pode ser capaz de integrar alguns alters antes de realmente seguir para a terceira. Frequentemente, o processamento de trauma intenso precisa ser alternado com sessões focadas na vida diária e no funcionamento com o objetivo de evitar sobrecarregar e re-traumatizar o indivíduo.
A fase 1 é todo o trabalho que precisa ser feito para que o indivíduo seja capaz de trabalhar mais os seus traumas avançados e enfrentar o processo de cura. Se o indivíduo não está em um ambiente seguro, ainda está sendo abusado, ou em risco de dano adicional, isso precisa ser abordado primeiro. Passos podem precisar ser tomados para assegurar que o indivíduo não está em risco de machucar ninguém mais, seja diretamente ou através da inabilidade de cuidar apropriadamente de dependentes. Também precisa ser determinado se o indivíduo está em risco para ele mesmo em razão de ideação suicida, automutilação, alters destrutivos, vício, um transtorno alimentar, ou por impulsivamente ter comportamento arriscado. Planejamento de crise ou hospitalização pode ser utilizado. Se um sistema de TDI tem alguma consciência e comunicação entre alters, pode ser solicitado que esses alters trabalhem juntos para proteger o sistema como um todo. Mecanismos de enfrentamento positivos e técnicas de aterramento são ensinadas, e o indivíduo pode também ser ajudado a aprender habilidades sociais melhores, consciência emocional e regulação, tolerância ao estresse, e resolução de problemas. Transtornos comórbidos também são abordados nesse estágio, e o indivíduo pode ser colocado em medicação para tratá-los.
Finalmente, o indivíduo pode precisar ser educado sobre a sua dissociação e alters durante a fase 1, e comunicação básica e cooperação devem ser estabelecidas entre alters. É importante que nenhum alter seja valorizado acima de outros alters; o indivíduo deve ser ajudado a ver como todas as suas partes são necessárias para o seu bem estar como um todo. Às vezes, alters específicos podem precisar serem abordados por seus comportamentos ou suas habilidades únicas de ajudar, mas o médico deve ser cuidadoso para não permitir delírios que alters estão literalmente separados ou para não sugestionar acidentalmente mais separação do que se mostra presente. Ao longo desta fase, deve ser forjada uma aliança terapêutica entre o indivíduo e os profissionais que o tratam.
A fase 2 é quando memórias traumáticas são abordadas com mais detalhes. O indivíduo deve ser ajudado a lembrar, tolerar, processar, e integrar à sua história de vida memórias de experiências traumáticas a fim de entender completamente que o trauma aconteceu no passado, que o trauma já passou, como o trauma afeta a vida do indivíduo, e o que a identidade do indivíduo é quando evitação fóbica não é mais necessária. Frequentemente, isso envolve os alters trabalhando diretamente com o terapeuta sobre os traumas que eles carregam. Alters podem se apresentar individualmente ou em grupos, podem ou não se identificar, e podem trabalhar ao lado de partes host (anfitrião) ou causar amnésia completa durante sua presença. O terapeuta pode ajudar a encorajar alters a compartilhar memórias traumáticas com outros alters que estão prontos para saber sobre aquele trauma em particular ou que precisam saber para sua própria segurança ou a fim de curar. Quando os outros alters aceitarem o trauma como algo que aconteceu com eles no passado, isso é conhecido como síntese e é o nível básico de processamento de trauma para sistemas.
Ter a cooperação dos alters é importante porque são os traumas que os alters carregam que mais precisam ser abordados. Nem toda memória traumática precisa ser trabalhada individualmente para o progresso geral e a cura ocorrerem, mas trabalhar apenas com o que o anfitrião sabe ao entrar na terapia ou o que os alters estão dispostos a compartilhar diretamente com o anfitrião é improvável que leve à cura real. Da mesma maneira, se os alters se opõem à terapia por qualquer razão, eles podem tentar impedir o anfitrião de comparecer ou participar da terapia, enganar ou assustar o terapeuta, ou qualquer número de outros comportamentos contraproducentes. É muito comum para os alters ter distúrbios significativos de apego, e é por isso que é tão importante para o terapeuta ter uma aliança com seu paciente, para estar atento à transferência ou contratransferência, e para manter a terapia o mais segura possível para o paciente.
A fase 3 é quando a integração dos alters é o foco. Alguns indivíduos com TDI escolhem integrar, ou aceitam todas as partes de si mesmos para que só tenha uma personalidade restante, mas outros escolhem cooperação e comunicação como alternativa. Mais informações sobre essas opções podem ser encontradas aqui. Outros focos da fase 3 incluem ajudar o indivíduo a reconsiderar como ele se relaciona com ele mesmo, o mundo exterior, seu passado, e seu futuro. Nesse ponto, a terapia pode ser capaz de focar em preocupações mais comuns em pacientes saudáveis, como os relacionamentos e a família escolhida pelo indivíduo; o trabalho do indivíduo, o processo de envelhecimento, saúde física, e lidar com os estressores básicos da vida. O indivíduo pode precisar de ajuda para contar com maneiras não-dissociativas de se aproximar e lidar com o mundo.
Tratamento: Tipos
Existem várias abordagens comuns na terapia para sobreviventes de trauma dissociativo. As terapias mais comuns focadas em trauma são dessensibilização e reprocessamento por movimentos oculares (EMDR), terapia de exposição prolongada (EP), e terapia cognitivo-comportamental (TCC). EMDR e terapia EP são ambos tipos de terapia de exposição em que memórias, temas, emoções ou cognições traumáticas específicas são abordadas. EMDR envolve pensar (ou falar) sobre o material traumático específico enquanto faz movimentos bilaterais, observa luzes piscantes bilaterais ou similares. A terapia de EP envolve falar extensivamente sobre a memória com detalhes crescentes até que o indivíduo fale sobre isso como se estivesse acontecendo com ele em tempo real. Ambas podem ficar muito intensas, mas podem ser extremamente úteis se o indivíduo estiver estável o suficiente para lidar com elas.
Entre EMDR e EP, a EMDR pode ser um pouco mais fácil de tolerar devido a não exigir que o trauma seja vocalizado ou processado como se ainda estivesse acontecendo. Da mesma forma, a estimulação bilateral, na pior das hipóteses, serve como uma distração, potencialmente tornando o trauma um pouco menos opressor; na melhor das hipóteses, pode proporcionar benefícios adicionais próprios, embora se isso é verdade ou por que pode ser verdade, é calorosamente debatido. Mais uma vez, porém, ainda é intenso e corre o risco de inundação de materiais traumáticos para indivíduos que ainda não estão suficientemente estáveis. Ela e a terapia EP também podem ser difíceis de serem gerenciadas pelos sistemas se o trauma ainda for estritamente contido por certos alters que não podem ou não querem participar da terapia.
Em contraste com o EMDR e a EP, a TCC concentra-se menos no trauma em si e mais em ajudar o indivíduo a compreender como o trauma afeta os seus comportamentos através dos seus pensamentos e emoções. Isso ajuda-o a trabalhar as crenças e percepções negativas que pode ter adquirido como resultado do trauma. Por exemplo, um indivíduo pode ser ajudado a sair de um ciclo de esperar que todos o machuquem e, subsequentemente, não perceber sinais genuínos de abuso e, assim, se machucar. A TCC também pode ajudar um indivíduo a aprender a controlar o estresse, educá-lo sobre as reações normais ao trauma e lidar com a ansiedade e a falta de autopercepção. Um tipo específico de TCC para trauma é a terapia de processamento cognitivo, que se concentra em como o trauma afeta a visão de si mesmo e do mundo. As terapias do tipo cognitivo-comportamental podem ajudar um indivíduo a reagir às lembranças de seu trauma de maneiras mais significativas e orientadas para o presente.
Outros tipos de terapia são possíveis e podem ser mais adequados para alguns indivíduos. Por exemplo, um estilo de psicoterapia muito mais gradual e direcionado ao paciente pode ser melhor adequado para alguns indivíduos. Alguns profissionais se concentram em uma abordagem mais psicodinâmica, que busca o significado do trauma e se concentra em como o trauma impactou o senso de identidade e o relacionamento com os outros. Os tratamentos direcionados especificamente às comorbidades também podem ajudar. Por exemplo, TCD (DBT em inglês) para indivíduos com transtorno de personalidade borderline (TPB) comórbido ou prevenção de exposição e resposta para indivíduos com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) comórbido também pode afetar direta ou indiretamente reações ou cognições traumáticas e reduzir direta ou indiretamente sintomas de TEPT. Essas terapias podem ocorrer individualmente ou em grupo.
Da mesma forma, formas de terapia menos estruturadas podem ser usadas. Por exemplo, diferentes tipos de arte, música ou ludoterapia (especialmente para alters infantis) podem ajudar os sobreviventes a se comunicarem e começarem a processar seu trauma. A hipnoterapia também é uma opção, mas pode ser inadequada para indivíduos com TDI devido ao risco de fortalecer as barreiras dissociativas entre identidades, alterar ou falsificar memórias, inundar o indivíduo com flashbacks e invalidar o depoimento do indivíduo em tribunal. A terapia dirigida ao modelo de sistemas familiares internos também pode ser inadequada se o terapeuta não estiver bem preparado para distinguir entre partes normais da identidade e alters mais fortemente dissociados, e a terapia de apego também pode causar problemas se o terapeuta não for educado sobre como garantir que os limites do paciente sejam respeitados, mesmo que o paciente seja incapaz de comunicar claramente seus limites. Dito isto, com o terapeuta certo, estes tratamentos podem ser úteis para certos indivíduos.
Tratamento: Encontrando um Terapeuta e Assistência Financeira
A Associação Brasileira do Trauma mantém uma lista de terapeutas que foram treinados e certificados como Praticantes de Somatic Experiencing® (SEP) ou profissionais que estão em treinamento para a certificação SEP e trabalham com pacientes traumáticos aqui. É importante notar que nem todos os terapeutas que tratam traumas estão nesta lista. Às vezes, opções adicionais podem ser encontradas entrando em contato com as opções mais próximas e solicitando mais referências locais.
Em alguns casos, pode ser difícil ou impossível encontrar um terapeuta próximo o suficiente e com experiência no tratamento de traumas complexos e dissociação. Felizmente, mesmo que um profissional não tenha experiência anterior na avaliação e tratamento de transtornos dissociativos, ele pode fornecer ajuda básica para transtornos comórbidos ou pode estar disposto a aprender como tratar traumas complexos. Ele pode se beneficiar de recursos como consultas com especialistas, grupos de estudo de terapeutas (incluindo grupos de estudo virtuais) e seminários para educação continuada. Além disso, existem muitos livros que fornecem informações e conselhos para profissionais que desejam tratar traumas complexos e transtornos dissociativos. Alguns exemplos são “Dissociação, crença e identidade: Uma perspectiva psicossocial”.
Referências
¹https://did-research.org/treatment/
²https://www.traumatemcura.com.br/profissionais
³https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-18032015-105415/publico/maraldi_original.pdf
Traduzido por: Sistema Psycho
Revisado por: Sistema Cogs