Muitos indivíduos com Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) têm um mundo interno no qual eles ou seus alters podem se manifestar como eles mesmos e interagir entre si.
Esses mundos internos, também conhecidos como espaços mentais ou ‘headspaces’, podem variar em tamanho e complexidade. Um sistema com apenas alguns alters, pode ter uma sala de estar interna na qual os alters que estão internamente ativos, despertos e conscientes podem se manifestar. Outros podem expandir esta sala de estar para incluir portas de quartos para grupos ou alters individualmente. Alguns sistemas podem ter uma casa inteira totalmente equipada com tudo o que os alters sentem que precisam.
Mundos amplos e complexos
Outros podem ter pequenas cidades que são capazes até de estar cheias de “NPCs” (retirados do termo “non-player characters” de RPG – que pode ser traduzido como “personagem não jogável” ou figurantes) que podem até interagir com alters, contudo sendo mais semelhantes a construções imaginárias do que os alters ou fragmentos reais.
Mundos internos ainda mais expansivos podem surgir quando sistemas altamente imaginativos ou dissociativos usam o seu mundo interior para se retirarem do mundo exterior e assim interpretarem histórias inteiras dentro da sua mente. Alters podem ser percebidos como tendo vidas internas quando não estão ativos no mundo exterior, e essas vidas internas podem envolver viagens para outros locais internos.
Deve ser notado que, como os mundos internos não são objetivamente reais, algumas experiências subjetivas deles podem não ser tão concretas quanto da forma que são sentidas. Por exemplo, um alter que foi machucado ou até mesmo “morto” internamente não sofreu nenhum dano real e ainda pode frontar, ou acessar o corpo com um certo nível de consciência do mundo exterior da mesma forma de antes quando for necessário.
Alters que têm empregos ou habilidades internas não terão realmente essas habilidades, a menos que as tenham aprendido de fontes válidas no mundo exterior. Muitos acontecimentos internos podem ser metafóricos ou altamente simbólicos. Da mesma forma, o cérebro não é capaz de percorrer um caminho paralelo completamente independente para cada alter que esteja ativo no mundo interno. É mais provável que os acontecimentos internos sejam “falsas memórias” recriadas que são acessíveis à medida que os alters envolvidos se conectam com o fronte do corpo e da mente (tornam-se ativos de tal forma que estão conscientes ou são capazes de interagir com o mundo exterior ou conectar-se com outros alters que atualmente são capazes disso).
Que tais ambientes mentais são possíveis para indivíduos com transtorno dissociativo de identidade é bem conhecido e aceito em ambientes clínicos e acadêmicos. Por exemplo, “The Haunted Self“, de Onno van der Hart, Ellert RS Nijenhuis e Kathy Steele, inclui informações sobre como os alters podem interagir internamente e às vezes nunca assumir o controle ativo do corpo. Dentro deste ambiente interno, os alters podem acalmar-se mutuamente ou reforçar traumas para causar lesões internas subjetivas. Partes infantis traumatizadas podem perceber-se eternamente escondidas dentro de um armário ou trancadas em uma masmorra metafórica.
Esses mundos podem estar repletos de símbolos de dor e sofrimento do sistema. Por outro lado, os mundos internos também podem ser locais mágicos e fantasiosos, satisfazendo a necessidade do sistema de um lugar onde os alters possam recuar quando o mundo exterior se torna estressante.
Porém, é importante ressaltar que alters podem perceber este mundo interno (o headspace) tão real quanto ou até mais real do que o mundo exterior (Hart et al., 2006).¹
As paisagens internas também são mencionadas em “Dissociation and the dissociative disorders: DSM-V and beyond” por Paul F. Dell e John A. O’Neil. Este texto se refere aos mundos internos como “realidade interna comum ou paisagem interna” na qual residem os alters. Ele atribui a existência de mundos internos a um efeito auto-hipnótico compartilhado entre alters que às vezes pode ser criado pela hipnose clínica e é “distinto da realidade externa, sonho, fantasia ou flashback alucinatório pós-traumático”.
Continuidade e Modelagem
Os mundos internos são vistos da mesma maneira por todos os alters do sistema, cada um dos quais geralmente têm uma aparência pessoal única dentro do mundo interior. Os mundos internos exibem continuidade ao longo do tempo e permitem que eventos ocorram e sejam enfrentados com seus efeitos lógicos. Assim, as paisagens internas são vistas como um sinal de união interna subjacente à multiplicidade e fragmentação externas (Dell & O’Neil, 2009).²
Diferentes sistemas podem ter mais ou menos controle sobre seus mundos internos. Alguns podem ser capazes de ativamente moldar e adicionar novos aspectos ao seu mundo interno, enquanto outros podem regular essa capacidade para um alter específico ou grupo de alters ou então considerarem a tarefa impossível. Alguns sistemas podem não possuir naturalmente um mundo interno, mas podem ser capazes de criar um com a ajuda da terapia. Mundos internos podem ser bem úteis pois podem facilitar interações entre os alters, e assim, podem aumentar a cooperação e estados de co-consciência.
Referências
¹ Hart, O., Nijenhuis, E. R. S., & Steele, K. (2006). The haunted self: Structural dissociation and the treatment of chronic traumatization. New York: W.W. Norton.
² Dell, P. F., & O’Neil, J. A. (2009). Dissociative multiplicity and psychoanalysis. In Dissociation and the dissociative disorders: DSM-V and beyond (p. 301). New York: Routledge.